Calculadora de morte: e se as nossas vidas tiverem fim marcado no calendário? - Blog MAG Seguros
Publicado em: 06/06/202410 minsÚltima modificação em: 06/06/2024

Futuro, Hoje!

Calculadora de morte: e se as nossas vidas tiverem fim marcado no calendário?

Por Nuno David, Frederico Andrade e Leandro Silva* A invenção dos refrigeradores e dos sistemas de congelamento no final do […]

Calculadora de morte é disrupção tecnológica

Por Nuno David, Frederico Andrade e Leandro Silva*

A invenção dos refrigeradores e dos sistemas de congelamento no final do século XIX transformou a maneira como os alimentos eram conservados (até então, em sal). Essa disrupção tecnológica transformou completamente a indústria do sal tal como ela era conhecida e mudou completamente o seu papel nas economias. Este exemplo clássico de disrupção tecnológica ilustra o cenário que temos pela frente no mercado de seguro de vida nos próximos anos.

Recentemente a Denise Bueno partilhou, no seu blog “Sonho Seguro”, uma “calculadora da morte” desenvolvida por pesquisadores dinamarqueses que prediz a idade estimada de morte de cada dinamarquês. Tal calculadora utiliza uma arquitetura matemática similar à dos agora famosos large language models (LLMs), como o GPT da OpenAI. Entretanto, ao invés de sequências de palavras alimentarem o modelo, o mesmo acontece por uma base de eventos de vida de indivíduos. 

Trazer a arquitetura típica de IA generativas textuais para o contexto de modelagem de eventos de vida possibilita uma sofisticação e acurácia sem precedentes. Isso só é viável por meio de uma base de dados gigantesca e bem curada, como é o caso da mantida pelo completo e sofisticado sistema de saúde pública dinamarquês (bem como de outros países desenvolvidos europeus que têm sistemas públicos de saúde em funcionamento há muitos anos). A quantidade e confiabilidade das bibliotecas de variáveis é enorme e a atualização desses dados ao longo do tempo com cada nova morte ou outros eventos relevantes permite um aprimoramento contínuo do modelo preditivo (basicamente o que fazemos em seguro de vida quando atualizamos/adaptamos tábuas atuariais com percentuais de bônus ou as validamos com testes de aderência).  

E não é por acaso que este tipo de modelagem começou a de fato incorporar IA Generativa. Podemos pensar em duas razões principais: 

Necessidade: o volume de dados disponíveis para tratamento começou a ser tão grande que se torna necessário adotar pipelines de tratamento de dados e algoritmos preditivos diferentes dos tradicionais; 

Oportunidade: a capacidade computacional de processamento de dados aumentou tanto que agora é possível atualizar esses modelos preditivos quase que a cada nova morte. 

Agora somemos a tecnologia genômica a esta equação. 

O mapeamento do genoma está crescendo muito rapidamente. No Brasil custa atualmente cerca de R$10 mil mapear a totalidade do nosso genoma e isso já pode ser feito em centenas de laboratórios (em pouco tempo deve custar menos de R$1.000). Se associarmos a esse mapeamento um relatório detalhado de resultados, uma consulta com um geneticista e outra com um endocrinologista, teremos ao nosso dispor uma ferramenta muito poderosa de aconselhamento de comportamentos e hábitos ótimos a adotar para aumentar a nossa longevidade. O mapeamento genômico permite identificar as partes e os percentuais de diferença que o nosso genoma tem relativamente à média da população (na realidade ao subgrupo genético em que cada um de nós se insere) para cada uma das potenciais patologias, doenças, síndromes e fragilidades do nosso corpo. 

De fato, isto nos oferece um modelo de resposta que, como no caso da IA, também é probabilístico. Entretanto, embora alguns sugiram que de arquiteturas como a da IA generativa emergem alguma forma mais primitiva ou simplista de causalidade, no caso dos resultados gerados pela genética essas relações de causa e efeito são muito mais categóricas. 

O resultado de um teste genômico nos dirá, por exemplo, que temos mais 78% de probabilidade de ter câncer de pele do tipo XPTO. Mas não nos condena a isso (apesar de, em alguns diagnósticos ele conseguir ser surpreendentemente quase binário, como acontece em alguns casos de câncer de mama).  

O que foi descoberto por cientistas e geneticistas é que, “por baixo” da camada do genoma há uma segunda camada de uma “espécie de interruptores” (epigenes) que podem ativar ou coibir a ativação dessas predisposições genéticas que estão escritas no genoma, através da adoção de comportamentos quotidianos como fazer exercício, comer bem, pegar sol na medida certa, dormir bem e não beber. Afinal tudo o que ouvimos anos a fio dos nossos pais e dos nossos avós. 

Mais que isso, hoje entendemos como sequências de letrinhas se tornam complexas quando se juntam em contextos orgânicos, expandindo o termo genoma, que já é tradicional e de conhecimento público, para nomes que não são tão conhecidos, como a metaboloma, relacionada a como as diversas substâncias que fazem nosso organismo funcionar interagem, e o conectoma, que mapeia as conexões neurológicas que nos fazem ser quem somos a cada instante. Ao compreendermos esses mapas, temos como objetivo usar essa melhor compreensão para criar modelos capazes de prever aspectos como expectativa de vida, estado de saúde e consciência de uma pessoa.

Um outro ponto é que os avanços tecnológicos recentes têm trazido otimismo para resolver essas tarefas complexas, principalmente devido ao desenvolvimento de software e hardware. Os recentes avanços em arquiteturas das redes neurais permitiram “pular” etapas na resolução de desafios técnicos. Se isso não tivesse acontecido, seriam necessários mais alguns anos para o desenvolvimento dos hardwares mais robustos, em termos de capacidade computacional. Isso permitiu análises muito complexas e fez co que aumentasse o interesse pela inteligência artificial (IA) em geral.

Esse otimismo abrange, além da área de linguagem e geração de texto, a visão computacional e simulação. E, por outro lado, os fabricantes de hardware estão competindo em duas áreas principais: o desenvolvimento de processadores gráficos para computadores pessoais e pesquisas sobre temas disruptivos como a computação quântica. Tudo isso está levando a um progresso sem precedentes da capacidade computacional.

Recordando que, mesmo que essa linha de investigação e de tomada de decisão individual (adotar bons hábitos individuais seguirá sendo um desafio para cada um de nós…) não se revelem tão efetivas como todos gostaríamos, já há hoje procedimentos de terapia genética que permitem processos de seccionamento genético ou de intervenções com proteínas e vírus que conseguem alterar pré-configurações genômicas. Essa tecnologia se chama CRISPR Cas-9 e, apesar de esses procedimentos ainda serem feitos em pequena escala e com enorme custo, esta é a área da medicina genética com maior investimento e crescimento a nível mundial. 

O que isso quer dizer? Que, além de entender, simular e melhorar os eventos de nossas vidas, conseguimos também agora influenciá-los diretamente, o que pode ser dar por edição genética ou por alterações em nosso estilo de vida ou seja, por meio de exercícios físicos e mentais, controle da alimentação, qualidade do sono, práticas espirituais, manejo do estresse e escolhas alimentares. Temos hoje para isso recursos personalizados e acessíveis para todos, além de boas evidências científicas sobre esses temas.

Como essa disrupção tecnológica vai afetar o futuro?

Disrupção tecnológica pode permitir prever morte

O que pode então ser o futuro? Imaginem carregarmos os modelos preditivos baseados em séries históricas com milhares de dados passados, continuamente atualizados e gerando predições cada vez mais exatas através de capacidade computacional e modelos cada vez mais complexos de IA generativa, com dados cada vez mais comprovados de comportamentos que nos vão permitir reescrever o teu futuro “certo” porque detectamos e conseguimos acionar (e essa é uma escolha individual de cada um) os comportamentos virtuosos que te vão permitir desarmar a nossa maior predisposição genética para ter esta ou aquela maleita? E o que acontecerá quando os procedimentos de terapias genéticas por seccionamento (literalmente “cortar” a parte “ruim” do teu genoma que te “condena” a algo mau e substituí-la por uma boa) e as alterações feitas através de ativações proteicas e por vírus começarem a ser mais acessíveis?  

A história da medicina traz relatos de como alguns curandeiros da idade média, através de processos inicialmente empíricos e, mais tarde, por experimentação controlada (método científico) contribuíram para os primórdios da medicina moderna. Aos olhos da sociedade leiga isso é comumente apresentado como feitiçaria, alimentando o ideário popular que prefere uma abordagem mais romântica e misteriosa daquilo que é o “milagre” de curar e salvar vidas… 

No cenário descrito acima é bem provável que os nossos netos olhem para a nossa medicina atual (moderna, cheia de máquinas superpoderosas, cirurgias mega complexas, drogas cada vez mais milagrosas) exatamente da mesma maneira. Nós seremos os feiticeiros deles. Quando acontecerá? Não sei, mas acontecerá. Está acontecendo… 

O que isso fará com o seguro de vida? E com o seguro de saúde? Poderá juntar ambos num “seguro de longevidade”? 

Nesse interim as visões mais distópicas tendem, de forma mais ou menos direta, correlacionar a capacidade de viver mais e melhor ao poderio financeiro individual. Seja, pensando na circunstância social da edição genética, como no filme “GATTACA”, no qual se ilustra a segregação entre aqueles com recursos para se editarem e assim assegurarem espaços sociais e aqueles que não dispõem dessa oportunidade e ficam para trás. Ou ainda, no paradigma de repensar como precificamos o risco em saúde, evoluindo para modelos de “Pay per living” mostrado na obra cinematográfica “In Time”, na qual o seu tempo de vida é moeda para adquirir bens e serviços, já que morrer agora é só um mecanismo de controle de tamanho populacional, dado que ciência e tecnologia já lhe permitiriam viver para sempre. 

Como a sociedade irá encarar isso? Não faço a mínima ideia… Como será viver sabendo quando vamos morrer (na maior parte dos casos, à exceção de condições extraordinárias como a de um acidente ou das pandemias)? Quem terá acesso a isso? Quem não terá? Como a indústria mundial de seguro poderá ajudar a levar isto ao maior número possível de pessoas? Como terá que se estruturar essa nova indústria de “seguro de longevidade”? 

Isto se não quisermos nos condenar a virar sal que só serve para temperar comida e não faz mais sentido para conservar alimentos.

Nuno David

Nuno David é Diretor Comercial e de Marketing na MAG Seguros e atua no mercado segurador há mais de 25 anos. Assine sua newsletter no LinkedIn: Seguros 360º.

Este artigo foi originalmente publicado em Sonho Seguro.

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