Enquanto muitos se perguntam quem matou Odete Roitman na novela Vale Tudo, outra questão vem à tona: e a herança da magnata, com quem fica? A fortuna da vilã deve ser dividida entre seus filhos, incluindo seu maior segredo: o filho Leonardo, que ela esconde de todos num sítio. Porém, antes que qualquer dinheiro chegue à família Roitman, é preciso fazer a conta de todos os impostos e taxas que incidem sobre heranças — nem mesmo a grande Odete Roitman está imune aos tributos.
“O brasileiro é um povo preguiçoso e incompetente”: a sucessão da arrogância
Odete Roitman não era apenas uma personagem, era uma sentença. O seu dinheiro veio principalmente do seu posto como empresária da Transportadora Costa Atlântica (TCA), onde construiu fortuna, poder e inimigos na mesma proporção.
No remake de Vale Tudo (2025), interpretada por Débora Bloch, Odete reaparece com a mesma elegância venenosa de 1988 (quando Beatriz Segall deu vida à personagem), convicta de que sua riqueza a tornava imune à miséria dos outros e à própria morte.
Era uma mulher que confundia autoridade com divindade e acreditava que um testamento poderia enganar o tempo. Mas o tempo tem advogados melhores. O Direito, indiferente à arrogância, trata todos do mesmo modo, com artigos, percentuais e imposto.
A morte de Odete reacendeu um tema sempre adiado nas famílias de poder: a sucessão. Sucessão empresarial, sucessão patrimonial e, sobretudo, sucessão emocional. A fortuna estava organizada — os afetos, não. O império sobreviveu juridicamente, mas morreu espiritualmente no mesmo instante em que o corpo da matriarca caiu.
“Dinheiro não é problema. Problema é gente”: o cálculo frio da herança
A morte de Odete abre o inventário de uma vida vivida como empresa. Sem marido e sem ascendentes, sua sucessão segue o artigo 1.829 do Código Civil, que determina a partilha igual entre os filhos. O que a lei chama de filhos é, no caso dela, um inventário emocional.
São filhos de Odete Roitman:
- Afonso Almeida Roitman, o filho presumido, treinado para obedecer e vencer.
- Heleninha Almeida Roitman, a filha biológica, quebrada por dentro, um espelho que Odete nunca quis olhar.
- Leonardo Roitman, o primogênito oculto, paraplégico, lembrança viva de que até o controle tem limite.
Três herdeiros, três feridas. Na matemática do espólio, cada um recebe R$ 2 bilhões brutos. Na matemática da alma, cada um recebe o castigo que merece. A sucessão pessoal reflete a profissional: nenhum dos filhos tem preparo para gerir o conglomerado da mãe.
A empresa, que dependia da centralização absoluta, agora precisa enfrentar o que ela mais temia: a autonomia dos herdeiros.
“Tudo tem um preço. Até o silêncio”: o imposto da eternidade
O primeiro herdeiro de Odete não é Afonso, nem Heleninha, nem Leonardo.
É o Estado.
O ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) no Estado do Rio de Janeiro aplica alíquotas progressivas que chegam a 8% para patrimônios acima de R$ 4 milhões, percentual ainda vigente antes da regulamentação definitiva da Reforma Tributária. Somam-se 3% de custas cartorárias e 5% de honorários advocatícios. A fortuna de R$ 6 bilhões já nasce com R$ 960 milhões a menos.
Tipo de custo | Percentual | Valor total (R$) |
ITCMD | 8% | 480.000.000 |
Custas cartorárias e judiciais | 3% | 180.000.000 |
Honorários advocatícios | 5% | 300.000.000 |
Total de custos | 16% | 960.000.000 |
O Estado recebe primeiro, o cartório em seguida, e os advogados por último. Nenhum deles se atrasa. Odete, que sempre humilhou o povo, termina servindo de receita pública.
De R$ 6 bilhões restam R$ 5,4 bilhões líquidos.
A eternidade custa caro.
Nota: Embora a Reforma Tributária (Emenda Constitucional nº 132/2023) preveja a uniformização nacional e progressiva do ITCMD, suas novas regras dependem de lei complementar ainda não sancionada. Assim, permanecem válidas as legislações estaduais vigentes, como a Lei nº 7.174/2015 do Estado do Rio de Janeiro.
“A morte é para os fracos. Eu ainda tenho muito o que mandar fazer”: o testamento como continuação do poder
Nem morta Odete aceita calar. Seu testamento é uma peça de ficção jurídica. 30% da fortuna, R$ 1,512 bilhão, são destinados à Fundação Roitman, criada para preservar a cultura da excelência — para preservar o próprio nome, na verdade.
É a tentativa de transformar o medo em legado, e o ego em entidade filantrópica.
Beneficiário | Percentual | Valor líquido (R$) |
Fundação Roitman | 30% | 1.512.000.000 |
Afonso Roitman | 26,7% | 1.346.000.000 |
Heleninha Roitman | 21,7% | 1.094.000.000 |
Leonardo Roitman | 21,7% | 1.094.000.000 |
Total | 100% | 5.040.000.000 |
Entre os anexos do testamento, há um contrato de união estável arquivado em sigilo. O companheiro, sem direito à legítima, busca reconhecimento judicial para herdar parte do espólio. Em vida, Odete o chamava de “socioemocional”. No tribunal, ele virou réu de si mesmo.
“Vocês acham que luxo é ter dinheiro. Luxo é ser obedecido”: o patrimônio como espetáculo
O inventário revela também o que ela jamais chamaria de exagero. Entre as curiosidades, consta o direito de uso vitalício de uma suíte permanente no Copacabana Palace. Não era um imóvel, era um símbolo. Odete não morava lá, exibia-se lá. Para ela, o endereço valia mais do que o lar.
Rumores indicam que o patrimônio total, somando participações internacionais, alcançava R$ 6 bilhões de reais. Aplicado em CDB a 100% do CDI, renderia cerca de R$ 50 milhões por mês. Na poupança, pouco mais de R$ 30 milhões. Odete jamais deixaria o dinheiro parado. Sua fortuna não dormia. Rendia enquanto os outros descansavam.
Parte desse capital estava fora do país, em contas nas Ilhas Cayman e fundos em Luxemburgo. Viajava como quem fiscaliza o próprio dinheiro. A morte, porém, revelou a dificuldade de repatriar os recursos. Nem toda riqueza atravessa a alfândega da eternidade.
“Eu não deixo herança. Eu deixo instruções”: o inventário moral
A sucessão financeira é o espetáculo, mas a moral é o escândalo.
Afonso herda a frieza, Heleninha herda a culpa e Leonardo herda o esquecimento.
Nenhum dos três quer o dinheiro.
Todos desejam uma resposta que não existe: o que fazer com o vazio depois que a fortuna chega. R$ 6 bilhões não compram uma mãe. E o inventário mais caro da teledramaturgia brasileira não é o dos bens, mas o das emoções falidas.
Odete deixou instruções, não amor.
E o testamento, como tudo o que ela fez, não reparte, separa.
“Vocês vão sentir minha falta. Não de mim, mas do medo que eu causava”: o veredito final
Odete Roitman morre bilionária, mas sozinha. O Estado fica com 8%, o cartório com 3%, os advogados com 5%, e o resto se desfaz entre ressentimentos. Deus, se a recebeu, recebeu com balanço patrimonial.
O império de mármore vira poeira de certidões. A mulher, que acreditou mandar na vida, descobre que ninguém manda na morte.
E quem não sabe Odete Roitman não morreu, e ainda está viva? Ainda assim, a morte de Odete não será um tiro, e sim o seu inventário.
O último imposto pago à própria arrogância.
