O futuro e a experiência de vida | Mongeral Aegon
Publicado em: 05/10/20165 minsÚltima modificação em: 22/12/2022

Histórias Reais

O poder dos cabelos brancos

Eu, que não sou bobo nem nada, sempre fui de observar mais do que falar! Não que quem fale mais […]

Eu, que não sou bobo nem nada, sempre fui de observar mais do que falar! Não que quem fale mais do que observe tem qualquer demérito, não foi isso que quis dizer, por favor! Mas voltando, desde pequeno, gostava de ficar quietinho ouvindo as conversas do meu pai com os amigos. Morávamos na pequena Laranjal Paulista quando nasci, em 1930, pouco antes do fim da revolução, no início da era Vargas, na era do rádio também.

Com pouco mais de sete anos, gostava de brincar mesmo era na rua, de “pula-carniça” (para quem não sabe, a brincadeira consistia em pular sobre outras crianças agachadas), de “queimado”, de “pega-esconde” e outras coisas daquela época. Arrisco dizer que era bem mais divertido do que hoje, quando vejo meus netos caçando bichos de imaginação com o celular na mão, além de outros joguinhos bem menos interessantes… mas deixa prá lá. Os tempos mudaram e eu sei bem disso. Aliás, estou sobrevivendo aos novos tempos. Afinal, são 86 anos de vida!

Mas eu gostava mesmo era de ouvir o que o meu pai falava. Ele era o mais exaltado! E na pauta, discutiam muito sobre guerra, que não eram poucas: a Guerra Civil Espanhola e a 2ª Guerra Mundial estavam no seu apogeu. Um dos amigos do meu pai, inclusive, esteve em um dos campos de batalha da Revolução Constitucionalista de 1932, na região do Vale do Paraíba. Nesse período, aconteceu um surto de malária de grandes proporções na minha cidade. Era tudo muito precário, foi devastador. Ouvia meu pai comentar os empregados que perdeu nessa época em que o município declarou estado de calamidade pública! Mas ele gostava mesmo era de falar de política e economia, dos Contos de réis à chegada do Cruzeiro, de como o dinheiro deles rendia. Cresci atento aos ensinamentos do meu pai.

O momento da virada

A vida pacata do interior foi interrompida na minha adolescência, quando fui morar em São Paulo, com uma tia, a fim de aprimorar os estudos. Estava decidido pela Engenharia como carreira e todo o empenho era necessário. Foram longos anos de muito estudo e dedicação para receber, aos 23 anos, um valoroso diploma de engenheiro. Tive uma carreira de sucesso, à frente de projetos revolucionários, com a construção de Brasília, por exemplo.

Sobrevivi à virada do século 20 para 21, no auge dos meus 70 anos, muito bem comemorados, por sinal. Não podia sequer imaginar que chegaria até essa idade com saúde e tudo que acumulei: sonhos realizados, uma vida estável financeiramente, família, filhos e netos, até aqui. Hoje já tenho um bisneto e desfruto das mesmas mazelas do envelhecimento, melhor que muitos da minha faixa etária. Acredito que essa condição favorável seja à toa. Procuro olhar a vida de forma positiva, sem reclamar dos danos causados pelo tempo, e sobretudo, pelo que deixei de fazer. Não seria mais possível estar na ativa, trabalhando no mesmo ritmo que trabalhei ao longo da vida, mas vez ou outra, faço consultoria para alguns projetos de construtores amigos.

O futuro chamou minha atenção

Participo ativamente das conversas, ainda muito como ouvinte, sobretudo em família, apesar de ter um protagonismo, quando o assunto é a experiência de vida, aposentadoria e estabilidade financeira. Mas recordo-me do meu espanto ao ler uma reportagem, já no fim do ano de 1999, em uma revista semanal de atualidades. Tratava-se de pesquisa com idosos de 11 países, que apontava resultados surpreendentes sobre a velhice. Os dados do Brasil diziam respeito a mim e aos meus descendentes: até o ano 2025, o número total de idosos cresceria 156%, e sua representação na população passaria de 5% para 19%. Sem contar que a expectativa de vida pularia de 66,7 anos para 90,8 anos. Quantos anos mais viverei? Será que havia feito uma reserva para tanto? Estes foram alguns dos meus questionamentos, afinal envelhecer exige muitos cuidados.

O tema ficou na minha cabeça por vários dias, até que alguma ideia surgisse. Reuni meus quatro filhos, até então na faixa dos 40 anos, e expus o dilema. Preocupava-me com o futuro deles, apesar da convicção dos ensinamentos que transmiti até aqui: era necessário pensarmos juntos sobre o envelhecimento. Orgulhoso, ouvi deles que estavam precavidos, todos já haviam construído carreiras de sucesso e também já se preocupavam com o futuro! Tinham bons planos de saúde, seguro de vida, previdência privada e outros investimentos diversificados. Aliviado, respirei, e senti a sensação de dever cumprido: ofereci a eles tudo o que foi possível na infância e juventude, até alçarem seus voos sozinhos.

Dezesseis anos depois dessa conversa, desfruto da minha idade ao lado da companheira de vida que escolhi sem nos preocuparmos com a situação financeira dos filhos, netos e do nosso bisneto. Temos uma rotina saudável, fazemos exercícios físicos moderados com regularidade, e desfrutamos da companhia de amigos e parentes em jantares frequentes e viagens. Ainda somos convidados para festas, batizados, e também adquirimos o hábito de ir ao teatro ou ao cinema semanalmente. Acima de tudo, somos felizes, damos muitas risadas juntos. Lembramos sempre com orgulho da coragem que tivemos para encarar os riscos para vivermos os nossos sonhos. A vida não é um mero ensaio, há apenas um espetáculo a ser vivido: a nossa própria vida.

[A história de Gustavo (nome fictício) é baseada em fatos reais da vida de um beneficiário de uma companhia de seguros.]


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