Torre Palace: o que aconteceu com hotel abandonado em Brasília?
Publicado em: 17/10/20256 minsÚltima modificação em: 10/10/2025

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O luxo em ruínas: a guerra que derrubou o Torre Palace

Do primeiro hotel de 4 estrelas de Brasília ao esqueleto cercado por concreto: quando a sucessão falha, a cidade herda um problema que a Justiça não resolve.
Hotel abandonado

Brasília aprendeu cedo que até o concreto pode apodrecer. No Setor Hoteleiro Norte, entre a Torre de TV e o Congresso, ergue-se um monumento ao descuido: o Torre Palace, o primeiro hotel de luxo da capital. Por décadas, foi sinônimo de conforto e elegância. Hoje, é um corpo sem alma, pichado, esvaziado, murado por blocos de concreto e tomado pelo silêncio das ruínas.

De longe, o prédio ainda parece promissor; de perto, cheira a mofo, fumaça e abandono. O que já foi cenário de recepções, coquetéis e hospedagens de autoridades hoje serve de abrigo para usuários de drogas e pessoas em situação de rua. Não é apenas um edifício em colapso. É o retrato de uma cidade que permitiu que o luxo se tornasse lixo.

O sonho de 1973

O Torre Palace nasceu em 1973, quando Brasília ainda era um esboço otimista de futuro. Idealizado pelo empresário Jibran El-Hadj, libanês que acreditava na vocação da capital para a modernidade, o hotel tinha 14 andares e 140 apartamentos, todos com vista para o Eixo Monumental.

Da sacada, via-se o Congresso Nacional, a Catedral, o Museu da República e o Estádio Mané Garrincha. Era o símbolo de uma cidade em ascensão. Durante 40 anos, hospedou políticos, diplomatas e celebridades.

Mas em 2000, com a morte do patriarca, o luxo começou a ruir. Não por falta de hóspedes, mas de sucessores.

A herança e o conflito

Avaliado à época em R$ 200 milhões, o patrimônio foi herdado pela esposa e seis filhos de Jibran. A partilha transformou-se em disputa: uns queriam vender, outros manter, e nenhum quis ceder. Em 2007, três herdeiros romperam a sociedade e recorreram à Justiça, exigindo R$ 51 milhões, valor que seria pago pela venda do hotel a uma construtora. Mas a transação foi travada por uma penhora judicial, e o negócio naufragou antes da escritura.

A partir dali, o Torre Palace entrou em coma. Em 2013, o hotel fechou as portas e iniciou um novo capítulo, não de turismo, mas de litígio. Nesse mesmo ano, os herdeiros firmaram um contrato com a Brookfield Incorporadora: a empresa receberia o prédio, arcaria com R$ 126 milhões referentes à dissolução societária e construiria um novo empreendimento no local.

O acordo previa lucros futuros compartilhados.

Nada disso ocorreu.

A incorporadora não conseguiu licença para a demolição, o projeto travou e o hotel foi abandonado. O resultado foi uma dívida acumulada de R$ 128 milhões, somando tributos, processos, contas de energia, IPTU, TLP, encargos trabalhistas e aluguéis pagos pelos antigos sócios.

Do luxo ao limbo

Com as portas fechadas, vieram os invasores. Em 2015, o Torre Palace tornou-se uma cracolândia vertical. O hall de mármore virou banheiro público; os quartos, tocas improvisadas; o teto, abrigo para o mosquito da dengue.

A Agefis chegou a recomendar a demolição total, mas a indefinição judicial paralisou qualquer ação. No ano seguinte, o GDF gastou R$ 802,9 mil em uma operação militar para desocupar o prédio. Dois helicópteros, bombas de efeito moral, balas de borracha e duzentas pessoas removidas em 35 minutos.

Não houve reembolso. O lacre resistiu menos que a necessidade humana. Meses depois, o hotel foi invadido novamente.

Leilões frustrados e a nova justiça lenta

A Justiça tentou fazer do impasse um método. Em 2019, o GDF pediu a demolição, mas um laudo pericial concluiu que, apesar da decadência, não havia risco estrutural iminente. A sentença substituiu a demolição por manutenção: os donos deveriam restaurar o edifício, sob multa diária de R$ 5 mil, até o limite de R$ 5 milhões.

Nada foi feito.

Em 2020, o prédio foi a leilão por R$ 35 milhões. Não apareceu comprador. Na segunda rodada, foi arrematado por R$ 17,6 milhões pela RBS Administração de Imóveis, que desistiu dias depois. Hoje, o imóvel está novamente nas mãos dos herdeiros, com sucessivas transferências societárias e nenhuma obra de manutenção.

A expectativa é que o hotel seja demolido até o fim de 2025 para dar lugar a um novo prédio, mas ainda não há confirmações sobre o próximo empreendimento.

A conta final

Dívidas e valores consolidados do Torre Palace

  • Dissolução societária: R$ 126 milhões
  • Obrigações tributárias (PGFN): R$ 589,4 mil
  • Execuções fiscais (DF e GO): R$ 565,4 mil
  • Rescisões trabalhistas: R$ 301,8 mil
  • Aluguéis de sócios desalojados: R$ 197,7 mil
  • IPTU e TLP atrasados: R$ 182,4 mil
  • Custos da desocupação: R$ 100 mil
  • Reclamações trabalhistas: R$ 120 mil
  • Energia elétrica (CEB): R$ 28,5 mil
  • Total estimado: R$ 128.095.087,40

O número é grotesco, mas não é o maior problema. O verdadeiro abismo é o tempo: doze anos de inércia, oito de disputas e nenhuma sentença executada. Um prédio que não pode ser vendido, demolido nem restaurado.

Um corpo jurídico em decomposição.

O preço do abandono

O Torre Palace já foi espelho do progresso; hoje é espelho do descuido. Ali está o retrato de uma herança sem comando, de um Estado que legisla em círculos e de uma cidade que se acostumou a conviver com o fracasso de seus próprios símbolos.

Não é apenas uma questão de demolição ou restauro, é o nome de uma família que não chegou a um acordo. É o orçamento público que financiou uma desocupação sem retorno. É a vizinhança que vive com medo e a capital que aprende a naturalizar ruínas recentes.

Brasília foi planejada para o futuro. Mas, no endereço do Torre Palace, o futuro virou depósito do passado. Alguns prédios desabam porque envelhecem.

Outros permanecem de pé para que se veja melhor o que já caiu.

João Cosme, da Blue3 Investimentos
João Cosme é sócio da Blue3 Investimentos e especialista em Proteção Financeira e Planejamento Sucessório.

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