Quais são os direitos do consumidor endividado? Se você é um dos quase 69 milhões de inadimplentes do país, é preciso saber já. Especialmente diante do considerável aumento de empresas terceirizadas de cobrança nos últimos anos.
Conhecidas como especialistas em recuperação de crédito, essas organizações “compram” dívidas de bancos e financeiras a custo baixo para tentarem restabelecer o valor devido.
Trata-se de um negócio lucrativo, mas que leva muitas ações aos juizados de pequenas causas dos tribunais pelo Brasil.
Isso acontece porque a aquisição da dívida de terceiros costuma dar início a uma busca desenfreada (por parte dos funcionários da cobrança) por quem precisa limpar o nome.
Essa pressão extrema por resultados é repassada ao consumidor na forma de ligações sucessivas, coação e cartas ofensivas, expondo o endividado a situações vexatórias.
Mas não se preocupe, é possível se proteger dessas práticas abusivas e, inclusive, ser ressarcido por eventuais perturbações — muitas vezes, em valor até maior do que a dívida contraída. Para isso, você precisa saber os direitos do consumidor endividado. Vamos conhecê-los?
O que o credor pode fazer?
O que o credor pode fazer?
As instituições de crédito têm o direito de notificar o devedor para pagamento do valor que deve e podem inscrever seu nome nos cadastros de inadimplentes.
Entre eles o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e a Centralização de Serviços dos Bancos (Serasa). Isso já no primeiro dia da obrigação vencida, resultando no temido “nome negativado”.
Mais do que isso, o credor pode fazer o protesto extrajudicial se houver título de crédito ou entrar com a ação judicial para realizar a cobrança.
O que ele não pode é expor quem está devendo a ameaças e violência moral ou física. Também não pode reter um documento ou bem para forçar a quitação do débito.
Tomamos como exemplo o caso de um cliente que, com parcelas em aberto em uma concessionária, compareceu à loja para comprar um acessório. Contudo, foi impedido de retirar o carro do estabelecimento por ordem do gerente.
Imagine, ainda, que esse mesmo gerente tenha danificado o veículo, trocando peças sob o argumento de que o montante acordado não foi pago. Se situações como essa ocorrerem, provavelmente o valor da indenização por danos morais em juízo abaterá parte da dívida.
Quais são os 10 direitos do consumidor endividado?
Engana-se quem pensa que o consumidor endividado não tem direitos. Existem muitas determinações legais que devem ser cumpridas ao lidar com clientes inadimplentes. Explicaremos abaixo as 10 mais importantes!
1. Notificação antes da inscrição em órgãos como SPC ou Serasa
Não há o que discutir sobre este ponto, que é um dos direitos do consumidor endividado já pacificado pelos tribunais.
A Súmula nº 359, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é clara ao definir que o consumidor deve ser informado antes de ter o seu nome inscrito nos órgãos de proteção ao crédito.
Um detalhe importante é que o entendimento legal atesta que a responsabilidade de prestação de informação, nesse caso, não é do credor. Mas sim das próprias empresas de cadastro (SPC e Serasa).
Portanto, o descumprimento resulta em uma ação de reparação por danos morais sobre a empresa detentora do banco de dados.
2. Recebimento de informações claras de negociação
As cartas de cobrança, as comunicações extrajudiciais e quaisquer outros documentos do credor devem apresentar as dívidas a serem quitadas com transparência. Multas, correções e juros devem ser detalhados (e respeitar certos limites, como explicaremos abaixo).
Contudo, caso haja dados imprecisos, é possível acionar um advogado para suspender temporariamente a execução da dívida.
3. Liberdade para recusa de proposta
O consumidor não é obrigado a aceitar a proposta de renegociação do credor. Caso as parcelas estejam fora de sua capacidade de pagamento, por exemplo.
O endividado tem o direito de apresentar uma contraproposta — desde que os termos sejam realistas e factíveis. É possível pedir juros menores, prazos maiores para quitação ou desconto no pagamento à vista.
4. Limitação de bens a serem penhorados
Verbas de natureza alimentar (como salários, proventos de aposentadoria e pensões) são impenhoráveis.
Isso ocorre para que a execução de uma dívida não afete a dignidade humana ou o sustento do devedor e de sua família. Veja o que diz o Código de Processo Civil.
Art. 833. São impenhoráveis:
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º.
Seguindo essa mesma lógica, caso seja o único imóvel da família, a residência também não pode ser levada a leilão, assim como utilidades domésticas adquiridas em data anterior à dívida (Lei Federal nº 8.009/1990).
5. Abordagem digna e respeitosa
É direito do devedor que não seja humilhado ou constrangido. Cartas de cobrança não podem ter identificação externa que denunciem o aviso de inadimplência; escolas não podem impedir alunos em débito de frequentar as aulas; da mesma forma, boletos de condomínio não podem divulgar nominalmente os apartamentos devedores.
Esses direitos do consumidor endividado estão estabelecidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 42.
Art. 42. Na cobrança de débitos, o cliente inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
6. Nome limpo após o pagamento da dívida
Do mesmo modo que o credor tem o direito de incluir o nome do devedor nos serviços de proteção ao crédito após a notificação da existência do débito, deve haver a exclusão do CPF desses cadastros assim que a dívida for paga.
Contudo, a regra é bem clara a respeito do prazo para isso acontecer. Portanto, feito o pagamento, a empresa credora precisa solicitar a retirada do nome do devedor em até cinco dias úteis.
Tal condição vale mesmo para as situações em que o consumidor renegocia a dívida para pagar de forma parcelada. Portanto, após concretizado o acordo e paga a primeira parcela, o nome deve ser retirado da lista de inadimplentes no prazo.
E o que fazer caso isso não aconteça? Em um primeiro momento, consulte a empresa e reforce que a dívida não consta mais e que, assim, seu nome deve ser “limpo”.
Persistindo a situação, a dica é procurar o Procon para buscar orientação. Em alguns casos, tais situações geram ações, diante do constrangimento que podem causar.
7. Proteção contra cobranças indevidas
De acordo com dados do Sistema Nacional de Informação de Defesa do Consumidor, em 2019, foram registradas quase 2,5 milhões de cobranças indevidas, ou seja, são milhares de pessoas que sofrem com esse problema todo o ano.
São caracterizadas como cobranças indevidas todas aquelas geradas sem a autorização do consumidor ou que já tenham sido quitadas. Felizmente, a legislação respalda os clientes desse tipo de contratempo.
De acordo com o já citado artigo 42 do CDC, caso o consumidor tenha sido cobrado de forma indevida por um débito já pago, ele terá direito à devolução do valor em dobro, com as devidas correções monetárias — salvo nas situações em que a empresa comprove um engano justificável.
Cobranças indevidas que geraram a inclusão do nome do consumidor no cadastro de inadimplentes podem gerar ainda ações judiciais para reparar o constrangimento mediante o pagamento de indenizações. Nesses casos, a recomendação é procurar o Procon ou os Juizados Especiais Cíveis.
8. Respeito ao dia e horário em que as cobranças são feitas
As cobranças não devem apenas ser feitas de forma digna e respeitosa; elas precisam respeitar dias e horários específicos, de modo a preservar o sossego no período de descanso do consumidor. Sobretudo quando são feitas pelo telefone.
Não há uma legislação federal que detalhe quais são os horários permitidos para as cobranças. No entanto, alguns estados se adiantaram e implementaram regulamentações locais, como é o caso de São Paulo.
Dessa forma, consumidores paulistas podem receber contatos de cobrança apenas entre as 8 da manhã e 8 da noite nos dias úteis e das 8 às 14 horas aos sábados.
Chamadas e mensagens aos domingos e feriados estão vetados, independentemente do horário, já que isso viola o período de descanso do inadimplente.
E mesmo que respeitem os horários, as ligações não podem ser insistentes. Afinal, a repetição das tentativas pode gerar constrangimento ilegal ao consumidor, o que é proibido.
9. Informação clara sobre os valores das multas e dos juros de mora
Toda conta em atraso pode sofrer com o acréscimo de juros de mora e multas. Contudo, é importante que tais valores sejam informados sempre com clareza e respeitando determinados limites.
Além disso, o consumidor deve ter acesso rápido e direto ao saldo devedor a qualquer momento.
Embora apareçam quase sempre lado a lado, juros de mora e multas são cobranças distintas. Então, vale repassar o conceito de cada um para entender melhor o que está sendo cobrado.
Os juros de mora são a penalidade cobrada pelo atraso do pagamento de um débito qualquer. Normalmente, eles são cobrados por dia de atraso.
Dessa forma, alguém que atrasa um pagamento por, vamos supor, 40 dias, deverá arcar com a cobrança de juros respectiva a esse período.
No entanto, a legislação prevê que os juros de mora não podem superar o 1% ao mês sobre o valor do pagamento atrasado. Isso corresponde a 0,033% ao dia, ou seja, no nosso exemplo, os juros de mora seriam de 1,23%.
Já as multas são cobranças que visam indenizar o credor pelo não pagamento do débito na data acordada. Estas não são cobradas por dia, mas sim com uma porcentagem fixa sobre o valor devido, independentemente do tamanho do atraso.
Logo, a multa será a mesma se o atraso for de 1 dia ou de 40, ainda conforme o nosso exemplo. De qualquer forma, ela não pode ultrapassar os 2%.
Cabe destacar que os valores aqui indicados dizem respeito às dívidas geradas pelas relações de consumo, como os serviços de telefonia.
Relações de crédito com instituições financeiras têm multas e juros aplicáveis de acordo com o contrato acertado entre as partes. Além disso, reclamações sobre cobranças abusivas devem ser levadas ao Banco Central.
10. Notificação sobre a suspensão de serviços essenciais
As empresas podem suspender o fornecimento de serviços, incluindo aqueles considerados essenciais, em caso de atraso.
No entanto, para isso, elas devem seguir algumas condições, que variam conforme o tipo de serviço e com as determinações da agência reguladora do setor.
No caso de serviços públicos como água, gás e energia elétrica, a suspensão é regulamentada pela Lei nº 14.015, de 2020. De acordo com o texto, o corte no fornecimento não pode ser feito às sextas-feiras, aos sábados, aos domingos e às vésperas de feriado.
Além disso, a lei determina que o consumidor seja previamente comunicado de quando será feito o corte em caso de inadimplência. Se isso não acontecer, a concessionária do serviço será multada e o cliente não precisará pagar pela religação do serviço.
Para serviços de telefonia e internet, a regulamentação de suspensão dos serviços é feita pela ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações). O órgão determina que 15 dias após a notificação de atraso, pode haver interrupção parcial do serviço, como a diminuição da velocidade da internet.
Passados 30 dias da notificação, o serviço poderá ser interrompido de forma total. Contados mais 30 dias após a interrupção completa, o contrato poderá ser rescindido e a operadora terá o direito de solicitar a inclusão do nome do consumidor nos serviços de proteção ao crédito. Isso, claro, mediante comunicação prévia no prazo estipulado. Feito o pagamento do débito em aberto, o serviço deve ser restabelecido em até 24 horas.
Quais pontos requerem atenção para a renegociação de dívidas?
Agora que você sabe quais são os seus direitos enquanto consumidor endividado, confira algumas dicas práticas para limpar o seu nome e sair das dívidas!
Defina sua estratégia de negociação
Quais são as dívidas prioritárias que devem ser renegociadas? O que cabe no bolso: mais parcelas ou juros mais baixos?
Tudo isso deve ser estudado antes de sentar à mesa de negociação. As cláusulas do contrato, inclusive, devem ser analisadas a fundo, a fim de buscar brechas para facilitar um ajuste mútuo.
Participe de feiras de negociação
Já ouviu falar em Feirão Limpa Nome? Além de conhecer os direitos do consumidor endividado, é preciso estar atento às oportunidades de quitar dívidas em eventos especiais sobre o tema. Neles, os credores participantes chegam a ofertar descontos de até 90%.
Estabeleça prioridades
Dívidas essenciais de consumo (como água, luz e gás) devem tomar a frente de outros débitos, tendo em vista seu potencial transtorno. Inadimplências com pensão alimentícia também precisam de quitação urgente.
Isso considerando que o pedido de prisão pode ser determinado pelo juiz com apenas um mês de atraso — a pena varia de um a três meses.
Troque dívidas caras por outras mais baratas
Tomar um único empréstimo com uma taxa de juros menor é mais interessante do que manter múltiplos boletos atrasados com juros altos e variados, principalmente quando esses débitos em aberto envolvem dívidas com cartões de crédito e cheque especial.
Se você decidir fazer essa troca durante seu projeto de organização financeira, a dica fundamental é aproveitar o dinheiro em mãos para pedir um bom desconto no pagamento das dívidas mais antigas e alongar o prazo de pagamento das dívidas mais recentes.
A quem você deve recorrer?
Caso o consumidor se sinta agredido por qualquer credor, deve inicialmente fazer um boletim de ocorrência. Todas as ligações precisam ser listadas com informações de dia e horário e, se possível, gravadas.
Em seguida, pode-se fazer uma reclamação no Procon, em um penúltimo passo antes de abrir uma ação judicial de reparação por danos morais. Nessa demanda, será exigido o ressarcimento de todos os danos sofridos com as cobranças abusivas.
Ficou claro como, mesmo endividado, você tem seus direitos e deve reivindicá-los? Aplicando as nossas dicas é possível se livrar de importunos indevidos e ainda negociar suas dívidas de forma mais justa.
Garantimos que você chegou aqui muito mais consciente dos direitos do consumidor endividado do que estava antes do início da leitura.
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